E se as quase 300 mil pessoas que não tem casa própria no Recife pudessem dizer o que seria feito com os milhares de imóveis e terrenos desocupados ou mal utilizados na cidade? Se elas tivessem nas mãos os R$ 346 milhões de reais, que os proprietários de imóveis no centro devem de IPTU, para definir uma política de moradia no centro?
Se as pessoas que andam de ônibus, metrô e bicicleta definissem as prioridades da mobilidade, ao invés da minoria que tem carro? Se as famílias que vivem da pesca às margens dos rios fossem escutadas sobre o cuidado com os rios e mangues do Recife e tivessem sua moradia e sua forma de sustento respeitadas? Se ambulantes e pessoas com deficiência pensassem juntas soluções para as calçadas do Recife?
Se catadoras e catadores, agricultoras e agricultores urbanos orientassem o que, como e onde a cidade produz e descarta? Se mulheres, idosas(os) e crianças pudessem contar com espaços de cuidado coletivo? Se as mulheres e a população LGBTI pudessem circular livremente em qualquer local e horário na cidade, sem o medo de serem vítimas da violência? Se a juventude negra tivesse nos territórios urbanos ferramentas de fortalecimento de aprendizado e participação política e pudesse acessar áreas como o Recife Antigo sem ser constantemente vítima de abordagens policiais racistas?
Todas essas questões mostram que existe um outro Recife possível. Movidas por essa vontade de mudança, 34 organizações não-governamentais, coletivos, associações comunitárias, movimentos sociais, sindicatos, entidades profissionais, pesquisadoras e pesquisadores se juntaram para lutar pela construção dessa cidade, com participação efetiva da população. É dentro desse contexto que surge a Articulação Recife de Luta.
Entendemos que esse Recife é possível e só se constrói com ampla participação popular; neste ano de 2018 há uma oportunidade histórica de pensá-lo: o processo de revisão do Plano Diretor. O Plano Diretor é a lei municipal que determina de que forma e para quem a cidade continuará sendo construída, definindo também suas prioridades.
A sua última revisão ocorreu em 2008 e determinou muito do que é o Recife hoje, e a crise urbana que vivemos tem uma forte relação com esse processo. Apesar do amplo debate para a construção de revisão e de vários avanços, a proposta encaminhada para a Câmara não respeitou tal participação e a versão aprovada pelos vereadores menos ainda. Fora isso, muitas das suas propostas não saíram do papel e as gestões e agentes imobiliários buscaram ignorá-lo o quanto puderam.
Mas agora é necessário colocar as pessoas no centro das decisões, fazendo com que haja partilha de poder com o povo; caso contrário o Recife, que já é a capital mais desigual do Brasil, se tornará uma cidade inviável de se viver.
Nesse processo, é importante inovar, sem necessariamente reinventar a roda. Muita coisa já foi feita e precisa ser fortalecida. As Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS) precisam ser ampliadas e receber investimento prioritário da Prefeitura, por exemplo. Se existe cultura de ocupação popular em áreas valorizadas da cidade, como em Brasília Teimosa, Santo Amaro, Coque, Coelhos, Entra-Apulso, é porque essa ferramenta garantiu ali a permanência das populações que produziram esses territórios. Mas não basta apenas permanecer. É preciso existir com condições dignas e isso exige investimento público. A rua calçada, a água encanada, o tratamento de esgoto, assim como as áreas de lazer e equipamentos de saúde e educação precisam chegar para todas e todos recifenses. A identidade, a cara de nossos bairros precisa ser respeitada, como também nossas áreas verdes e nossos jardins e quintais.
Além disso, é preciso democratizar a outra parte da cidade. O nosso patrimônio histórico também precisa ser preservado e receber uso social. Deve-se priorizar uma economia que valorize os espaços públicos e o comércio popular. Se os últimos 10 anos tiveram como marca a especulação imobiliária e a segregação das camadas mais pobres, precisamos afirmar que a terra urbana tem que ser democratizada, e não funcionar como mercadoria concentrada na mão de poucos.
Precisamos transformar esse medo que aprisiona as pessoas em suas casas e em espaços fechados (como os shoppings) numa retomada do espaço público, com atividades nos parques, nas praças, nas ruas. Recuperar o sentimento de que a cidade é nossa, que precisamos ocupá-la, dar vida a cada canto dela.
Esse é um chamado para a construção coletiva, para que o Recife recupere um projeto de encantamento das pessoas, para que aquelas(es) que sustentam essa cidade tenham voz e vez e que nela possam ser acolhidas(os). E isso só acontecerá quando a cidade for projeção das necessidades das pessoas, o que exigirá de nós mobilização e luta!
Queremos dar início a um estágio novo de discussão, participação e produção conjunta da cidade, levando debates para as comunidades, ocupações, escolas, universidades, igrejas, redes sociais e outros espaços a serem inventados. O ponto de encontro dessas discussões é a revisão do Plano Diretor, com garantia da participação popular, mas essa participação precisa transbordar e se tornar a base das práticas cotidianas que movem a cidade. Nada sobre nós sem nós! Assim acreditamos que podemos fazer uma cidade com a nossa cara. Vamos realizar o Recife que queremos? Aqui se respira luta!
Actionaid Brasil Centro Dom Helder Câmara de Estudos e Ação Social (CENDHEC) Centro Popular de Direitos Humanos (CPDH) Comunidade Interdisciplinar de Ação, Pesquisa e Aprendizagem (CIAPA) Confederação Nacional das Associações de Moradores (CONAM) Direitos Urbanos (DU) Equipe Técnica de Assessoria, Pesquisa e Ação Social (ETAPAS) Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional (FASE) Habitat para a Humanidade – Brasil Instituto dos Arquitetos do Brasil (IAB PE) Instituto Brasileiro de Direito Urbanístico (IBDU) Movimento de Mulheres Sem Teto de Pernambuco (MMST PE) Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) Rede Interação Resiste Santo Amaro Segmento Popular do PREZEIS Coletivo A Cidade Somos Nós Coletivo Arquitetura, Urbanismo e Sociedade (CAUS) Federação das Entidades Comunitárias do Ibura Jordão (FIJ) Ação Comunitária Caranguejo Uçá Associação Metropolitana de Ciclistas do Grande Recife Associação Por Amor às Graças Diretório Acadêmico de Geografia (UFPE) Movimento de Luta Popular e Comunitária (MLPC) Núcleo Multidisciplinar de Pesquisa em Direito e Sociedade (UFRPE) Observatório das Metrópoles Observatório de Saneamento Ambiental Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Comercio Informal do Recife (SINTRACI) União Nacional Por Moradia Popular (UNMP) Universidade Federal de Pernambuco (UFPE)